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Conteúdo sensível: Os problemas das postagens de “durante” por cirurgiões-dentistas.

Se você acompanha cirurgiões-dentistas nas redes sociais, já pode ter se deparado com esta situação: A postagem do profissional aparece com alerta de conteúdo sensível, que pode apresentar conteúdo explícito ou de violência. Caso você ignore o aviso e clique para mostrar a foto, vai se deparar com imagens de ossos alveolares expostos, transcurso de cirurgia de implantes, dentes desgastados para receber restaurações indiretas ou, em casos mais extremos, imagens de vítimas de fraturas de face em meio a atendimento de urgência.

Vamos analisar este tipo de postagem do ponto de vista ético e publicitário.

Do ponto de vista ético não há discussão, como já expliquei no artigo sobre o “antes e depois”, imagens do transcurso de procedimentos, e de exposição de materiais e tecidos biológicos são vedadas segundo o Código de ética odontológica, e a proibição é reforçada na resolução 196/2019, conforme explicou o CFO na ocasião da publicação da resolução:

– Qual o motivo da proibição de postagens das fotos de passo-a-passo, a exemplo de passos cirúrgicos de técnicas?

No Artigo 44, item 12, do Código de Ética Odontológica, expressamente estabelece que constitui infração ética publicações de antes, durante e depois. Por esse motivo, o Conselho Federal de Odontologia proíbe a exposição de imagens de “durante” o procedimento. Além dessa vedação do Código de Ética, existe o entendimento, também, que a exposição de determinados procedimentos pode causar pânico, receio ou medo nos pacientes, a exemplo da imagem de transcurso de cirurgias ortognáticas e procedimentos com alto grau de complexidade. Isso está permitido, mas restrito à publicações científicas, como já havia a previsão.  O CFO reforçou essa previsão, também, na resolução 196/2019.

Importante citar, que a publicação dessas imagens fora de publicações científicas é vedada mesmo que haja autorização do paciente. 

Além do CEO, já existem diversas leis e normativas internas, principalmente destinadas ao ambiente hospitalar, que tratam sobre o assunto, e não faltam casos de repercussão na mídia envolvendo exposição de imagens e dados de pacientes, deixarei alguns exemplos na lista de leitura.

Agora, fugindo do campo da ética e falando objetivamente de publicidade e retorno para o profissional:

Ainda que fosse permitido, existe algum retorno positivo para o profissional que posta estas imagens?

O objetivo de qualquer peça publicitária é passar uma mensagem a certo público e obter um retorno específico. Qual é a mensagem que um profissional passa ao postar uma imagem de um procedimento invasivo de alta complexidade? E qual é o retorno?

Pacientes que veem a postagem são leigos, e não serão capazes de interpretar apenas por uma imagem o procedimento ou a técnica exibida. Esta interpretação pode ser difícil até mesmo para um perito. Provavelmente o paciente clicará na imagem pela pura curiosidade de ver um procedimento invasivo, não para avaliar a habilidade do profissional.

E isto gera algum retorno positivo para o cirurgião-dentista, ou para a categoria no geral? É mais provável que um paciente que veja tais imagens se sinta desmotivado, ou tenha medo de passar por um procedimento de implante, uma restauração indireta ou uma cirurgia ortognática, e não o contrário. E quando o efeito é negativo, ele pode se estender a todos os profissionais. Além disto, há o risco de receber um processo ético por parte do Conselho de classe, administrativo por parte da instituição que o profissional trabalha, ou até mesmo cível por parte do paciente exposto. Novamente, a explicação do CFO:

No caso dos materiais e tecidos biológicos, o Conselho buscou resguardar a exposição de parte do corpo humano – um dente, um pedaço de gengiva, uma gaze com sangue, entre outras partes –, que possam não contribuir para a boa imagem da Odontologia. Isso justifica a vedação dos itens elencados no parágrafo 1º, do Artigo 1º, da respectiva resolução.

Algum colega pode argumentar que estas postagens têm objetivo científico, e de compartilhar casos com colegas. Neste caso é permitida a exposição do transcurso dos procedimentos, mas o ambiente correto não é uma rede social, principalmente uma postagem pública, e sim uma publicação científica, uma palestra ou um congresso, depois de preenchidos todos os requerimentos dos conselhos de ética.

Como sempre, deixo os comentários abertos para opiniões e dúvidas, e uma lista de leitura para aprofundamento no assunto.

Obrigado!

Lista de leitura

  1. Notícia: Enfermeira posta selfie durante cirurgia e é suspensa de hospital no PI.
  2. Coluna de Saúde da Revista época: O caso Marisa Letícia é só a ponta do iceberg: Mais de 80% dos médicos residentes divulgam informações sigilosas de pacientes nas redes sociais, revela um estudo realizado na Unifesp
  3. Artigo: Estratégias de publicidade no Instagram® utilizadas por cirurgiões-dentistas – Revista Brasileira de Odontologia Legal.
  4. Legislação: Lei 8670/19 | Lei nº 8.670 de 19 de dezembro de 2019. Estado do Rio de janeiro

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